sábado, 21 de maio de 2011

Enigma

   Há dias que não vou ao fundo do poço em que me banho. Meus sonhos agora deram de ser assim, como uma maçã podre. Um diabo esfumaça-se na sala com seu cheiro vermelho e só eu o sinto, e sua neblina irrita-me. Há meses nenhuma framboesa quente brota em meu rosto. Talvez por isso a sinto tão perto de mim, tão vermelha. Meus pêlos arrepiam-se, e eu toda sou calafrios, um ar quente. Meu silêncio está pesado. As palavras custam a sair de minha boca, esta caverna imóvel, cheia de mofo e que não vê luz há tempos. O ser me escapa pelos poros. Feito áporo percorre-me veias, camadas de pele, até achar escape. O enigma cava. Sai dos encanamentos e é odor do ralo. Ninguém o vê. Disfarçado entre as coisas do ar ou da casa, anda sozinho percorrendo ruas, vielas. Anda nos buracos, nas entranhas, nos córregos, perguntando sempre trouxestes a chave?

sábado, 14 de maio de 2011

Sereia

Só sei que nada sei do que virá
só sei do que passou
só sei que nada sei do que será
ou do que serei
serei a mesma
sereia
com um tanto
mais 
do mar

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Pinguinho com asas

    De repente o dia parou de respirar. Umas asinhas pequenas e sardentas nasceram nas costas de um corpinho branco. E lá, bem longe daqui, um ser cheio de miudezas, com sua pequena máscara de zorro, partiu para viver nas nuvens de bolacha, água e sal, crocantes bolachinhas do tamanho de sua boca. Enrolar-se virando mil vezes nos cobertores recém saídos do varal. Uma água fresquinha na tijela, e comida o dia todo. Esparramado no sol da manhãzinha. Foi voar com seu ventre rosado, sua doçura, seu pensamento pequenino.