Miúda anda nua de sentidos
Miúda tem olhos
sem rosto
e desse jeito
nada ampara
seu mundo
magoado
e miúdo.
Miúda sente
o rio morno
descendo
pelo corpo
-um corpo
tão miúdo
que nem tem
nervuras.
Uma vez
viu alguém
vazando
nos olhos
achou que um rio
rolava
naquele corpo
achou que
debaixo do peito
tinha um sapo
achou que
o sapo
tinha nervuras.
Desde então,
Miúda tende
à ínfimas nervuras
Tem um sapo pequeno
e quase que não existe.
Estava de pé quando/ minha boca se entreabriu./ Ouvi alguma coisa cair./ Um amor escorregou/ docemente/ raspando áspero/ do coração/ até o orifício
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
Carta ao menino Manoel
É bobeira minha que eu não lhe conheço com os olhos, mas sua palavra-menina brinca no caminho que faz do meu olho até o coração. Você, que é menino do mato, que aperta parafuso no vento, que deixa os caracóis e as lesmas gosmarem umedecendo sua boca de dizer meninices, me faz sorriso na boca sempre que me enxergo, de alguma forma, correndo nos pés de um menino qualquer, descalço, na terra, molhando a poeira no rio, gritando em língua de sapo ou de ave, dizendo em língua de avó, desinventando coisas. Assim, a lesma gosma no meu olho, e o umedece.
Não há coisa que mais me alegra que saber mais de ignorâncias, saber mais de meninices, que não saber quase tudo.
Sobre nadas temos profundidades.
Para mim, a pureza do cisco também dá alarme.
masco
as letras
monto
monstros
de ostras
e outros
planetas
P.s.: A onça comeu-me também.
domingo, 5 de setembro de 2010
Mimesis
como que
uma árvore
estou na
sombra
de minhas
folhas
embebida
de um sol grande
soltando flores
pela boca
minha boca
é um céu gigante.
Os postes
se acendem
- já é noite.
uma árvore
estou na
sombra
de minhas
folhas
embebida
de um sol grande
soltando flores
pela boca
minha boca
é um céu gigante.
Os postes
se acendem
- já é noite.
sábado, 14 de agosto de 2010
Arranjos para assobios
Sabiá com Trevas
Me abandonaram sobre as pedras infinitamente nu,
e meu canto.
Meu canto reboja.
Não tem margens com a palavra.
Sapo é nuvem neste invento.
Minha voz é úmida como restos de comida.
A hera veste meus princípios e meus óculos.
Só sei por emanações por aderência por incrustações.
Me abandonaram sobre as pedras infinitamente nu,
e meu canto.
Meu canto reboja.
Não tem margens com a palavra.
Sapo é nuvem neste invento.
Minha voz é úmida como restos de comida.
A hera veste meus princípios e meus óculos.
Só sei por emanações por aderência por incrustações.
domingo, 8 de agosto de 2010
Sóis
Meu pai um dia me mostrou o sol. Um gigante que se ri do céu pra toda gente que quiser olhar. É o olho quente que espia o mundo. Meu pai disse que o sol é amarelo e grande, e que ninguém consegue fugir dele. Os pais sabem das coisas do céu. No céu tudo é redondo. O mundo fica no céu. Os pais são sóis redondos.
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Mãos de Rendeira
Escrever poesia é um processo minuncioso, exige muita atenção e ouvidos aguçados para captar os sons do mundo, para caçar as palavras que estão levitando. Todas rolam num rio lento, inertes em si mesmas, esperam ser escolhidas. São feijões esperando as mãos calejadas das marias, grãos perdidos num labirinto infinito, esperam eternamente alguém com as mãos de rendeira que se habilite a costurar os retalhos.
O enigma
nas mãos da rendeira
tece
um amor de teia.
O enigma
nas mãos da rendeira
tece
um amor de teia.
domingo, 1 de agosto de 2010
REMENDO
retalhos
são panos
falhos
Um poema costurado a outras palavrinhas.
Quem declara seu amor na noite fria num dia de calor calaria?
Num dia de clamor, calmaria,
num dia de pavor, palavrinha
numa nuvem fada madrinha
na estrela de condão, varinha.
Poema gentilmente cedido por Arnaldo Antunes (gentilmente, o primeiro verso foi transcrito de dos livros do Arnaldo, mas aspas iam estragar a costura.)
são panos
falhos
Um poema costurado a outras palavrinhas.
Quem declara seu amor na noite fria num dia de calor calaria?
Num dia de clamor, calmaria,
num dia de pavor, palavrinha
numa nuvem fada madrinha
na estrela de condão, varinha.
Poema gentilmente cedido por Arnaldo Antunes (gentilmente, o primeiro verso foi transcrito de dos livros do Arnaldo, mas aspas iam estragar a costura.)
LOTADO
Mundo mundo
barulhento
vasto e imundo
turbulento
Cheio de penas
de lazarentos
de moças tolas
de monumentos
Não há vagas
barulhento
vasto e imundo
turbulento
Cheio de penas
de lazarentos
de moças tolas
de monumentos
Não há vagas
Comecemos pelo começo
No início era o começo da raiz do tempo. O tempo é invenção recente. O tempo tic-tac no ouvido da gente. Mas antes do tempo existia silêncio.
O silêncio não é mudo
O silêncio não se cala
O silêncio fala tudo
O silêncio fala mudo
Ouviríamos o que ele diz
se não usássemos escudo
Se não usássemos escudo,
ouviríamos o que ele diz.
O silêncio fala mudo
O silêncio fala tudo
O silêncio não se cala
O silêncio não é mudo.
O silêncio não é mudo
O silêncio não se cala
O silêncio fala tudo
O silêncio fala mudo
Ouviríamos o que ele diz
se não usássemos escudo
Se não usássemos escudo,
ouviríamos o que ele diz.
O silêncio fala mudo
O silêncio fala tudo
O silêncio não se cala
O silêncio não é mudo.
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