domingo, 11 de março de 2012

Pomar

   Passei o dia pensando em coisas imundas que satisfazem os homens. Cinco e quarenta. Passei anos  achando que o amor era limpo, jogo limpo, tarde céu-azul. Usamos alianças, transamos no escuro. O amor é coisa imunda, pimenta malagueta, labirinto que permeia o corpo.
   Agora, ainda há pouco, fiz todo ofício na tela de um computador. Orifício. Fotografei este meu corpo adiposo, palavra oleosa, mostrei as entranhas. Abri-me como se abre uma lata, o óleo escorre, aquele óleo-dádiva, líquido que vem da estufa, da terra fértil em que tudo se dá. Miúdos de porco. Intestino. Coraçãozinho. Teria sido bonito não fosse a vergonha de ter sangue, o excesso da carne, os seios capengas, os arranhões de tigre. Vão dizer que os olhos dela são bonitos. Olhos não engordam o tempo. Vinte anos e um corpo já velho com dois filhos. O rosto ainda resto da infância, macio, feltro branco pintado com batom vermelho.
   Todo dia ir ao mercado, passar roupa, fazer café, atribuir nota, trocar fralda, matar inseto, dar falta. O pó branco do giz, calcário, seco. Aqueles olhos que me vêem ora gigante, ora formiga, verme, paramécio nadando em saliva. As mãos rachadas de um sêmen seco.
   Amaram-me por outras coisas. Quero ser úmida. Comida, seiva fresca. Gostassem dos meus seios, pêras nutritivas, fibra perfumada. Lambessem minhas curvas doces. Comessem da minha carne poema podre.  Lambessem a palavra babada no travesseiro. Fizessem do líquido vital o soro do qual bebessem os meus músculos. Pêssegos em calda.