sábado, 10 de dezembro de 2011

Grão de amor

Amar é um verbo inconstante, com margem para erro. Amar é corrosivo. Outro dia já levou meu ego e minha memória. Não me lembro direito se sou eu ou se sou outro. Eu sou os dois e apenas vivo. E apenas dói essa existência. Por que é que amar dói? Porque a dor e o prazer andam de mãos dadas. O amor roça a  barba por fazer no meu estômago. O amor me arde pimenta nos orifícios todos. O amor essa palavra grudenta me seca a boca. Suga o líquido do corpo, todo amido disponível. O amor emagrece meu corpo e infla o coração a ponto de enfarte. Se não sou bom o bastante para que existir, se não para amar corretamente, amor de filme, herói da paramount? Te abraço, beijo, casamos. E o amor continua a me comer pelas bordas e me arrepia e me faz vazio no estômago. Meu amor está longe, mas me habita. Ele existe, e eu não consigo deixar de sê-lo. Olho para mim e desisto de minha existência para habitar nele. Construo um ninho dos restos, felpudo e macio. Poeira branquinha. Grãos de todas as coisas.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

domingo, 27 de novembro de 2011

Oi. Desde sempre eu gostei de fazer minhas coisas, pintar caixinhas, encapar as coisas, pintar quadrinhos, essas coisas... Agora quero fazer móveis! Sou estudante e preciso de uma solução para arrumar meus sapatos e meus livros. Andei procurando na internet idéias de móveis sustentáveis, que reutilizam antigos materiais, etc. Bom, fica a dica e alguns sites que podem inspirar.


http://cacareco.net/2009/10/14/7-prateleiras-feitas-com-caixotes-de-feira/


http://juelpodesign.wordpress.com/


http://cacareco.net/2011/08/10/caixotes-de-feira-na-decoracao/


http://www.consul.com.br/Consulevoce/BlogdaConsul/EntryId/398/Objetos-de-feira-viram-decoracao


http://www.minhacasaminhacara.com.br/caixas-de-feira-na-decoracao/


http://www.hypeness.com.br/2011/03/caixotes-de-feira-transformados-em-moveis/


http://www.viladoartesao.com.br/blog/2009/10/vamos-pra-xepa-comprar-caixotes/


http://priscilahy.wordpress.com/2011/01/21/moveis-de-caixotes/


Esse é a solução para sapatos. Na foto ta feio, mas nada que uma tinta bonitinha e uma fita de cetim não resolvam.
http://vidapechincha.blogspot.com/2010/08/ctrlc.html


E essa é a estante mais liiiiinda que eu já vi e assim que conseguir gavetas ela vai habitar no meu quarto.
http://cacareco.net/2008/12/05/prateleira-modular-feita-com-gavetas-velhas-veja-o-passo-a-passo/


Fim! Se fizer mesmo, posto a foto aqui no blog.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Hoje eu acordei meio ontem. Essa coisa toda de ser ou não ser o que se foi. Abri agora meu e-mail quinze quilos a mais de lipídio, uma carga sem poesia, minha vida dilatada. Hoje chovi bastante. Pensei em como seria bom ser antes de antes. O eu de antes era poético, gostava de música, não ligava pra maquiagem, tinha dezessete anos. Estou sentindo o peso ou a leveza dos meus anos dedicados a não ser persistente, a comer sem ter medo, a fazer sexo sem pensar no tamanho do sutiã ou do pênis. Eu não tenho nada. O meu nada é um elefante sobre a corda bamba. Sou uma formiga que dá voltas sobre si mesma tentando seguir o rastro químico. Sabe, eu perdi a fome, eu perdi o prazer em mim mesma. Ontem mesmo abri a porta do carro e quis jogar-me. Eu não suporto as misérias do mundo, mas não consigo viver fora dele. Pensei na morte duas vezes. Às vezes ela pesa mais do que a vida. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

   Primeiro que eu não quero ser a cobra bojuda e sedosa que envolve sua presa e depois a estrangula. Eu não gosto de começar com primeiro. Às vezes me sinto peçonhenta. Queria ver mais fundo, pulmão traquéia catarros, mas acho que isso é enforcá-lo. Ou que você é tartaruga e então eu não consigo. Não sei se te amo do jeito que você gostaria. E vai ser sempre um enigma. Demos abraço de girafa. Gosto da sua pele com perfume saindo fraquinho. Amo seu pé de pele fina. Hoje foi um dia duro. Fico muda quando você me encharca. Você não gosta dos meus rios castanhos, e eu prometo nunca mais chorar até que choro novamente. Eu não gosto de te ver vermelho. Mancha de tulipas nos olhos. O relógio está errado. Sempre é tarde. Sempre é cedo. Estou atrasado, muito muito atrasado. Então vou ao centro do sertão e pergunto qual o sentido da vida: Ai, Zé, op! E acabou-se. E eu te amo. E fim de papo. E de novo é noite. De novo sou víbora. Acendo o fogo. Côo café. Penso na França. Nem quero saber. Quero saber sim. Eu senti orgulho. Não me reconheci naquele homem, mas era meu e eu devia a ele. Não me via. Só via ele. Inteirino. Interno. Suas palavras de livro. Minha culpa de tudo. Sou eu que estou errada? Não sei. Sou sempre eu. Sempre em mim a noite rompe. Sempre dentro de mim meu inimigo. Sempre no meu sempre a mesma ausência. Fiquei muda de novo. Esse homem me rouba as palavras. Fico cega pra tudo que via. Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011



Caso do Vestido
Carlos Drummond de Andrade


Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?
Minhas filhas, é o vestido
de uma dona que passou.
Passou quando, nossa mãe?
Era nossa conhecida?
Minhas filhas, boca presa.
Vosso pai evém chegando.
Nossa mãe, dizei depressa
que vestido é esse vestido.
Minhas filhas, mas o corpo
ficou frio e não o veste.
O vestido, nesse prego,
está morto, sossegado.
Nossa mãe, esse vestido
tanta renda, esse segredo!
Minhas filhas, escutai
palavras de minha boca.
Era uma dona de longe,
vosso pai enamorou-se.
E ficou tão transtornado,
se perdeu tanto de nós, 
se afastou de toda vida,
se fechou, se devorou,
chorou no prato de carne,
bebeu, brigou, me bateu,
me deixou com vosso berço,
foi para a dona de longe,
mas a dona não ligou.
Em vão o pai implorou.
Dava apólice, fazenda,
dava carro, dava ouro, 
beberia seu sobejo,
lamberia seu sapato.
Mas a dona nem ligou.
Então vosso pai, irado,
me pediu que lhe pedisse,
a essa dona tão perversa,
que tivesse paciência
e fosse dormir com ele...
Nossa mãe, por que chorais?
Nosso lenço vos cedemos.
Minhas filhas, vosso pai
chega ao pátio.  Disfarcemos.
Nossa mãe, não escutamos
pisar de pé no degrau.
Minhas filhas, procurei
aquela mulher do demo.
E lhe roguei que aplacasse
de meu marido a vontade.
Eu não amo teu marido,
me falou ela se rindo.
Mas posso ficar com ele
se a senhora fizer gosto,
só pra lhe satisfazer,
não por mim, não quero homem.
Olhei para vosso pai,
os olhos dele pediam.
Olhei para a dona ruim,
os olhos dela gozavam.
O seu vestido de renda,
de colo mui devassado, 
mais mostrava que escondia
as partes da pecadora.
Eu fiz meu pelo-sinal,
me curvei... disse que sim.
Sai pensando na morte,
mas a morte não chegava.
Andei pelas cinco ruas,
passei ponte, passei rio, 
visitei vossos parentes,
não comia, não falava,
tive uma febre terçã,
mas a morte não chegava.
Fiquei fora de perigo,
fiquei de cabeça branca,
perdi meus dentes, meus olhos,
costurei, lavei, fiz doce,
minhas mãos se escalavraram,
meus anéis se dispersaram,
minha corrente de ouro
pagou conta de farmácia.
Vosso pais sumiu no mundo.
O mundo é grande e pequeno.
Um dia a dona soberba
me aparece já sem nada,
pobre, desfeita, mofina,
com sua trouxa na mão.
Dona, me disse baixinho,
não te dou vosso marido,
que não sei onde ele anda.
Mas te dou este vestido, 
última peça de luxo
que guardei como lembrança
daquele dia de cobra,
da maior humilhação.
Eu não tinha amor por ele,
ao depois amor pegou.
Mas então ele enjoado
confessou que só gostava
de mim como eu era dantes.
Me joguei a suas plantas,
fiz toda sorte de dengo,
no chão rocei minha cara,
me puxei pelos cabelos,
me lancei na correnteza,
me cortei de canivete,
me atirei no sumidouro,
bebi fel e gasolina,
rezei duzentas novenas,
dona, de nada valeu:
vosso marido sumiu.
Aqui trago minha roupa
que recorda meu malfeito
de ofender dona casada
pisando no seu orgulho.
Recebei esse vestido
e me dai vosso perdão.
Olhei para a cara dela,
quede os olhos cintilantes?
quede graça de sorriso,
quede colo de camélia?
quede aquela cinturinha
delgada como jeitosa?
quede pezinhos calçados
com sandálias de cetim?
Olhei muito para ela,
boca não disse palavra.
Peguei o vestido, pus
nesse prego da parede.
Ela se foi de mansinho
e já na ponta da estrada
vosso pai aparecia.
Olhou pra mim em silêncio,
mal reparou no vestido
e disse apenas: — Mulher,
põe mais um prato na mesa.
Eu fiz, ele se assentou,
comeu, limpou o suor,
era sempre o mesmo homem,
comia meio de lado
e nem estava mais velho.
O barulho da comida
na boca, me acalentava,
me dava uma grande paz,
um sentimento esquisito
de que tudo foi um sonho,
vestido não há... nem nada.
Minhas filhas, eis que ouço
vosso pai subindo a escada.

Instruções para subir uma escada
Julio Cortázar
Ninguém deve ter deixado de reparar que frequentemente  o chão se dobra de uma maneira que uma parte sobe em ângulo reto com o plano do chão, e, em seguida, a próxima parte está colocada de maneira paralela a esse plano, dando vez a uma nova perpendicular, procedimento que se repete em espirais ou em linhas desiguais até alturas extremamente variáveis. Agachando-se e colocando-se a mão esquerda em uma das partes verticais e a mão direita na parte horizontal correspondente, logra-se a posse momentânea de um degrau ou escalão. Cada um desses degraus, formados, como pode-se ver, por dois elementos, está situado um pouco mais acima e mais adiante que o anterior, princípio que dá sentido à escada, já que qualquer outra combinação produziria formas talvez mais belas ou pitorescas, mas incapazes de transportar de um térreo a um primeiro andar.
As escadas se sobem de frente, pois de costas ou de lado são particularmente incômodas. A atitude natural é manter-se em pé, os braços dependurados sem esforços, a cabeça erguida, mas não o suficiente para que os olhos deixem de ver os degraus imediatamente superiores ao que se pisa, e respirando-se lenta e regularmente. Para subir uma escada deve-se começar por levantar essa parte do corpo situada à direita e abaixo, quase sempre envolta por couro ou camurça, e que, salvo exceções, cabe exatamente no escalão. Colocada no degrau dita parte, que, para abreviar, chamaremos de pé, recolhe-se a parte equivalente da esquerda (também chamada pé, mas que não se deve confundir com o pé anteriormente mencionado) e, levando-a à altura do pé, faz-se que continue até colocá-la no segundo degrau, com o que, neste, apoiará o pé, e no primeiro apoiará o pé. (Os primeiros degraus são os mais difíceis, até adquirir-se a coordenação necessária. A coincidência de nomes entre o pé e o pé torna difícil a explicação. É especialmente importante cuidar em não levantar ao mesmo tempo o pé e o pé.)
Chegando-se dessa forma ao segundo degrau, basta repetir alternadamente os movimentos até encontrar-se com o final da escada. Pode-se sair dela facilmente com um golpe ligeiro do calcanhar que o fixa em seu lugar, de onde não se moverá até o momento de descer.



SEM DESTINO


Luiz Tatit

Tudo que era o meu destino
Na verdade nunca me aconteceu
Pode ter acontecido
Pra alguma pessoa
Mas não era eu
Vivo assim na vida sem previsão
Todo mundo tem destino, eu não
Nunca os fatos são de fato fatais
Não confio na fortuna jamais
Puro por acaso e nada mais

Tudo que já estava escrito
No meu caso nunca se concretizou
Só talvez o aniversário
Que é na mesma data
E não se alterou
Era pra eu já ter encontrado um amor
Era pra eu já ter esquecido o anterior
Era pra eu já ter aprendido a sonhar
Era pra eu correr o mundo e voltar
Mas viagem sem destino, não dá

Quero minha sina
Quero minha sorte
Quero meu destino
Quero ter um norte
Quero ouvir uma vidente
Que me conte tudo
Só esconda a morte
Quero uma certeza mínima
Que se confirme
Que não seja trote
Por não ter o meu destino
Vivo em desatino
Como D. Quixote

Quem não tem o seu destino
Chega a noite
Pensa que tudo acabou
Se levanta muito cedo
Nunca sabe bem
Por que que levantou
Nada tem urgência para cumprir
Pode virar do outro lado e dormir
Pode ficar nessa até o entardecer
Todos os amigos vão entender
Levantar sem ter destino
Pra quê?

Ser assim tão sem destino
Me preocupa muito
Me deixa infeliz
Sempre quis o meu destino
Foi o meu destino
Que nunca me quis
Mesmo algum sucesso que ele previu
Era pra me revelar, desistiu
Acho que ele foi atrás de outro alguém
Pois destino tem destino também
E só revela aquilo que lhe convém


voz e violão: Luiz Tatit
violão: Jonas Tatit
guitarra ebow, voz, piano, harp, sanfona e juno 1: Marcelo Jeneci
bateria: Sérgio Reze

sábado, 27 de agosto de 2011

Há pouco um filme bonito, fiquei bondosa, voei com ele, tive filhos, fiapos. Comida. Uma musiquinha de todos. Que país é esse? Olhei pro lado, o burguês bojudo. Moço sem modos, comia seu queijo escorrendo feito víscera. Dinheiro escorria dos poros. A moça no cinema cheirava os buracos do teto. Já foi adiposa, hoje é esguia. Esbarrei nela uma vez. Boca não disse palavra. Ave, palavra. Essa coisa sem bojo, sem saber se tenho estrias. Só quer ser ostra na minha língua. Quer que eu a abra, viole seu ventre, chupe rapidamente o molinho de dentro. Me vomita, ser sem coisa! Sou a não-coisa que te habita! Me viola! Abre essa sua boca cheia de mofo, de morfemas! Eu não quero te ouvir, porra! Quero que você me fale.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

   O silêncio noturna-me. Um barulhinho de carro. Alguém chegou? Quero estar sozinho. Ninguém chega. O mofo cresce  nas cavidades. O monstro medra no fundo raso do meu medo. Sou cobra-cega rastejando veredas. Vou tateando o escuro com meu corpo comprido. Meu sopro fundo de hálito antigo. Minha boca há muito que não diz palavra. 

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Doença Malagueta

Vamos escrever um livro. Escrevo um livro há tempos. Escrevo nas linhas grisalhas dos cabelos. Palavra enfileirada nas unhas e nos pés. Nos dedos longos, desfilam nas fibras dos pêlos. Se esticam em filamentos. Nos neurônios e no vento. Palavras salivando na boca. Saltam pela pele e chegam nas nervuras. Pulam, rodopiam, brotam como pintas. Espalham-se feito sarna. Doença malagueta. Tilinta de noite entre o ouvido e o cabelo. Não há escape. Doutor diz que é hereditário. E mais uma palavra me corrompe. Coça no céu da boca. Alergia crônica. 

segunda-feira, 20 de junho de 2011

vazio agudo
ando meio cheio
de tudo
                        
                             p. leminski

terça-feira, 14 de junho de 2011

Daqui a pouco prova de educação. A gora um barulho irritante. Queria ter casa. Queria ter fogo. Daqui a pouco o depois de agora. Agora a prova de mais tarde, o problema no banco, as férias de inverno. Antes um barulho infernal, um telejornal, casa com muita poeira. Agora o depois de antes. Minha mãe chegando, o cachorro pequeno, poemas na parede e no ar. Antes, agora e depois, nunca. Sempre.

Clipe bonito.
cri-cri

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Tirei 7 na prova. Teoria da Literatura. Geometria fractal. Sete foi durante muito tempo meu número da sorte. Hoje acho que é onze. Sete domingo, segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado e Deus descansa. Sete cores no arco-íris. Minha íris cheira a âmbar, às vezes fica vermelha. Às vezes o sangue escorre, às vezes o útero dói. Até que um dia faz um grande intervalo, e em vez de sete, nove. E depois vem um pra cuidar num infinito de anos. E um infinito de fraldas, um infinito de lágrimas, e novamente o fractal. O triângulo engole o triângulo que engole outros até um infinito pequenino. Uma célula-ovo dentro de um útero, dentro de um corpo, dentro de uma roupa, dentro de um país, dentro de uma galáxia, que pode estar dentro de um grão. Começa tudo outra vez. O de sempre e tanto. O de sempre e nada tudo.

sábado, 21 de maio de 2011

Enigma

   Há dias que não vou ao fundo do poço em que me banho. Meus sonhos agora deram de ser assim, como uma maçã podre. Um diabo esfumaça-se na sala com seu cheiro vermelho e só eu o sinto, e sua neblina irrita-me. Há meses nenhuma framboesa quente brota em meu rosto. Talvez por isso a sinto tão perto de mim, tão vermelha. Meus pêlos arrepiam-se, e eu toda sou calafrios, um ar quente. Meu silêncio está pesado. As palavras custam a sair de minha boca, esta caverna imóvel, cheia de mofo e que não vê luz há tempos. O ser me escapa pelos poros. Feito áporo percorre-me veias, camadas de pele, até achar escape. O enigma cava. Sai dos encanamentos e é odor do ralo. Ninguém o vê. Disfarçado entre as coisas do ar ou da casa, anda sozinho percorrendo ruas, vielas. Anda nos buracos, nas entranhas, nos córregos, perguntando sempre trouxestes a chave?

sábado, 14 de maio de 2011

Sereia

Só sei que nada sei do que virá
só sei do que passou
só sei que nada sei do que será
ou do que serei
serei a mesma
sereia
com um tanto
mais 
do mar

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Pinguinho com asas

    De repente o dia parou de respirar. Umas asinhas pequenas e sardentas nasceram nas costas de um corpinho branco. E lá, bem longe daqui, um ser cheio de miudezas, com sua pequena máscara de zorro, partiu para viver nas nuvens de bolacha, água e sal, crocantes bolachinhas do tamanho de sua boca. Enrolar-se virando mil vezes nos cobertores recém saídos do varal. Uma água fresquinha na tijela, e comida o dia todo. Esparramado no sol da manhãzinha. Foi voar com seu ventre rosado, sua doçura, seu pensamento pequenino.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Ode descontínua e remota para flauta e oboé

 Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé - De Ariana para Dionísio - É um CD gravado por Zeca Baleiro em 2003, em que o artista maranhense em parceria com a poeta Hilda Hilst musica parte do livro Júbilo Memória Noviciado da Paixão. Há dois anos tento comprar esse disco, mas ele é tão bom que quase que não existe.


Canção IV - Canto de Ariana



Canção V



Canção IX






sábado, 5 de fevereiro de 2011

Encontraria a Maga?

  Desde que ouvi estas palavras escorregarem de uma boca durante o meu primeiro ano do ensino médio, eu busquei a Maga, e sentir um beijo na boca da Maga. Procurei-a por todas as ruas de Paris, por todas as praças, no idioma e na Argentina, e acabei por descobrir que eu mesma sou a Maga, que meu nome pode ser Lucía, pode ser Iara. Minha boca está dentro da Maga, e lá eu me encontro inteira. Eu sou todas as palavras tolas e sem sentido que um dia escorregaram de sua boca.

                                  

                                  7


Toco a tua boca, com um dedo toco o contorno da tua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a tua boca se entreabrisse e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade eleita por mim para desenhá-la com minha mão em teu rosto e que por acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com a tua boca que sorri debaixo daquela que a minha mão te desenha.
   Tu me olhas, de perto tu me olhas, cada vez mais de perto e, então, brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, aproximam-se, sobrepõem-se e os cíclopes se olham, respirando indistintas, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se nos teus cabelos, acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E, se nos mordemos, a dor é doce; e, se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu te sinto tremular contra mim como uma lua na água.


                                                                                        (O Jogo da Amarelinha - Júlio Cortázar)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011