quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Les mots


Vídeo feito por mim, Edmarcia Tinta e Keila Dutra para a Semaine de la langue française na Unesp de Assis.
http://vimeo.com/39805901

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Historinhas do eu no meio (pode mudar se não gostar)

   Uma vez me contaram essa história. Fumávamos um cigarro. Mentíamos que fumávamos para ver a fumaça subir lentamente em bolas. Uma vez era uma casa muito muito distante e eu forjava o momento da história. Um menino desses bem magros, que têm uma cor perambulante entre o amarelo-febre e o ocre, de uma cor crua, começou a me contar de uma vez que ele pedalou tanto que a bicicleta era ele próprio. Magrinho e munido de besourinhos coçadores, passeou até o Japão e comeu sushi com as mãos. Uma vez ele andou de avião, mas não foi nessa do Japão, porque o Japão é bem fácil: ele cavou para sempre e chegou ao outro lado. Uma vez ele sobreviveu a um deserto comendo miojo e chá verde. Uma vez o banheiro masculino e o feminino eram casebres horrendos. Uma vez, numa estrada amarela, ele conheceu Mundana, Sem-freio e Presbítero, que era só um epíteto. Uma vez uma curandeira fez magia com Toddy. Ela salvou sua vida. Uma vez o mundo girou sete vezes com uma poção indígena que lhe deram. Era algo com limão, gelo, açúcar... Jogou uma partida de  basquete ao final. Uma vez ele teve amigo nunca visto. Uma vez trajado de joão-de-barro, construiu casa de dois andares nos próprios pés. Cuspe e areia dão bastante liga. Uma vez a mãe e o pai brigavam e ele entrou numa cápsula que levava à lua. Ainda bem. Uma vez ele foi comer um bacalhau na Europa e se apaixonou pela palavra quase idioma, quase perfeita, que saia lentamente da boca dele e da outra boca e que se beijavam em águas do São Francisco e do Tejo. Que se entrecortavam e se trançavam formando juntas uma palavra banana caramelizada. Uma palavra delícia. Desde então todas as suas palavras são lentas e macias. Uma vez uma nuvem branquinha e lenta de palavras. As palavras amor. 

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Historinhas

Uma vez eu sonhei com um livro. Ele era grande e quadrado. Colorido. Chamava "olho de boca". Uma vez eu queria ser outra agora mesmo. Uma vez minha mãe fez massinha de farinha pra eu brincar e eu sujei o chão com corante de bolo. Era rosa, nome da minha tia. Uma vez eu fumei um cigarro. Uma vez uma francesa disse que eu tenho cara de hispânica. Uma vez eu tinha vergonhas de algumas coisas que ainda tenho um pouco. Uma vez eu queria morrer. Várias vezes. Uma vez eu tive um gato Márcio. Uma vez eu namorei um frango. Uma vez eu nadava como peixe bem rápido. Uma vez eu tive um castelo. Uma vez eu fui pra Itanhaém e tomei sorvete com muito confete e minha vó também. Uma vez eu tive um namorado que desenamorou-se de mim. Uma vez (agora há pouco) todo mundo ficou grávido, até a Sandy do Júnior. Uma vez eu passei na Unicamp. Uma vez eu beijei o menino debaixo da árvore e amo ele até hoje. Uma vez eu tomei chuva e a cor da minha blusa ficou muito mais bonita. Uma vez eu tirei foto das bolhas do tanque. Uma vez eu morei com vadias elementares. Uma vez eu fui pra São Paulo ver o museu. Uma vez eu fui ver o Arnaldo e ele tava atrás da porta. Uma vez eu conheci a Júlia e amei ela. E a Luana. Uma vez eu brinquei com a Mi por treze anos. Uma vez eu beijei pela primeira vez o no ônibus da viagem. Ele era mais novo que eu. Uma vez eu fui até a casa do menino e nós brincamos de pintar o rosto e namoramos. Uma vez eu vi um bombom gostoso e ele chamou-se Cássia. Uma vez meu irmão me salvou de um grilo. Ele sempre me salva das coisas que pulam. Uma vez minha mãe casou com meu pai e eles namoraram no dia 26 de janeiro. Uma vez eu nasci às 10 da manhã. Foi só uma vez, que eu me lembre.

terça-feira, 3 de abril de 2012

O nome disso

Talvez as pessoas nunca deixem de rir deste nome ridículo. Jenifer. Janaína Jenifer. Acho que meu pai gostava de aliterações. Ontem mesmo alguém riu desse nome desprezível. Abalei-me um pouco. Sempre que possível, me escondo desse nome para não precisar sê-lo. É sempre como se as pessoas rissem de uma de minhas pernas, como se rissem por eu ser manca. "Bonita, mas coxa!" Pensei muito em mudar de nome. É como se rissem do meu corpo, ou dos meus dentes separados. Talvez me chamar Anita soe mais literário. Pensei em cortar-me a perna e talvez implantar algo mais biônico, algo que agradasse ao público, algo de perfeito que, parece-me, que todos possuem. Assim, eu seria outra: melhor e inabalável. Muito melhor, muito outra.

domingo, 11 de março de 2012

Pomar

   Passei o dia pensando em coisas imundas que satisfazem os homens. Cinco e quarenta. Passei anos  achando que o amor era limpo, jogo limpo, tarde céu-azul. Usamos alianças, transamos no escuro. O amor é coisa imunda, pimenta malagueta, labirinto que permeia o corpo.
   Agora, ainda há pouco, fiz todo ofício na tela de um computador. Orifício. Fotografei este meu corpo adiposo, palavra oleosa, mostrei as entranhas. Abri-me como se abre uma lata, o óleo escorre, aquele óleo-dádiva, líquido que vem da estufa, da terra fértil em que tudo se dá. Miúdos de porco. Intestino. Coraçãozinho. Teria sido bonito não fosse a vergonha de ter sangue, o excesso da carne, os seios capengas, os arranhões de tigre. Vão dizer que os olhos dela são bonitos. Olhos não engordam o tempo. Vinte anos e um corpo já velho com dois filhos. O rosto ainda resto da infância, macio, feltro branco pintado com batom vermelho.
   Todo dia ir ao mercado, passar roupa, fazer café, atribuir nota, trocar fralda, matar inseto, dar falta. O pó branco do giz, calcário, seco. Aqueles olhos que me vêem ora gigante, ora formiga, verme, paramécio nadando em saliva. As mãos rachadas de um sêmen seco.
   Amaram-me por outras coisas. Quero ser úmida. Comida, seiva fresca. Gostassem dos meus seios, pêras nutritivas, fibra perfumada. Lambessem minhas curvas doces. Comessem da minha carne poema podre.  Lambessem a palavra babada no travesseiro. Fizessem do líquido vital o soro do qual bebessem os meus músculos. Pêssegos em calda.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Restolho

Eu fico
quase triste
quando 
tesoura na mão
corta-se a foto 
e cola-se
tenaz
outro rosto
 Agora 
eu sou outro
 rosto 
e há um 
rosto  
onde 
habitava o meu
restolho 


os rostos dançam assim
mudam a cara dos lugares